Carmencita e os garotos de Finisterra

Esse é um livro de poesias emblemático. Associa alguns poemas escritos na década que passou com alguns poemas de agora. É um livro cheio de sensualidade. Poder-se-ia dizer mesmo que a sensualidade é a causa e o efeito – de forma desbragada – desses poemas de cunho lírico. O poeta brinca com a memória e traz de volta a argumentação de um mundo mágico, desdobrado em criaturas do lugar, autóctones e aquela presença de inúmeros ciganos. A promiscuidade elaborada nesses poemas beira os livros do Ciclo da Cana de Açúcar, aqueles do tempo nordestino. E também toda a promiscuidade interiorana que sempre grassou pelo Brasil a fora, desde os tempos da colonização da terra de Santa Cruz.
É muito interessante se observar como caminham os meandros de toda criação literária possível. No caso de J Humberto Henriques, a se questionar as possibilidades e as razões desse Finisterra, ele supõe e delata um amor profundo pela Galícia. Só que esse Finisterra aqui se elabora é nacionalista. Uma terra brasileira, sem a menor necessidade de pesquisa ou de provas. Do ponto de vista da universalidade que carrega e é carreada por essa poesia suprema, esses versos poderiam ser lavrados e adaptados a um lugar chamado Finisterra – localizada na Galícia, supostamente um dos pontos onde deveria ser finalizado o Caminho se Santiago de Compostela. De qualquer maneira, a se ponderar, a poesia permite esses louvores. E Carmencita, como se vê o diminutivo, é a feminilidade espanhola em pessoa.
Finisterra é município espanhol de La Coruña. Trata-se de um cabo alongado, estendido ao Sul da Espanha. Ido como o lugar mais final da terra nos tempos antigos, além dali não havia mais nada. Henriques tem um amor profundo pela Galícia. Sempre se refere a isto de maneira sensível. Estudou alguns poetas galegos e isso, porém, não influenciou esta parte de sua obra. São acontecimentos separados. Para ele, a Galícia é terra de grandes prazeres e preferências. E Finisterra acaba mesmo sendo um ponto de exclamação em sua obra como um todo. De repente, percebe-se que Finisterra não acontece por acaso e nem ao caso. A relação entre Finisterra e os eventos do lado de cá são parâmetros de uma relação sensível.
Esses poemas são complexos, utilizam recursos de linguagem com a liberdade ampla de todo grande criador. Muitas vezes o sentido de uma frase torna-se bífido ou numeroso, sempre de acordo com a localização da banda sensível do que se situa dentro do poema. Como o autor deixa de lado a parte que poderia ser chamada de pornográfica – ou obscena -, esses terrores são substituídos pela palavra impetrada contra os termos facilitadores da linguagem. Sendo desta forma, surgem os enredos ricos e a complexidade mais e mais se desenvolve. Não obstante, esses poemas não são nada herméticos, são poemas cheios de uma densidade primorosa que culmina sempre com o impacto gratificante da última estrofe.
J Humberto Henriques prepara o terreno, distribui palavras a um canto e outro – a mancha no papel, se bem observada, muitas vezes é sujeita a espaços brancos, vazios, necessários ao texto muito elaborado -, depois recria as imagens e lança o termo final de uma poesia que acaba toando dentro da musicalidade. São poemas completos. Devido á musicalidade muito bem estabelecida – com rimas ou sem elas -, quando se acaba de ler um desses poemas, a sensação que fica é aquela do pintor que dá a última pincelada e vê sua obra galgar a perfeição.
Alguns dos livros de poesia de Henriques são divididos em blocos, números variáveis de poemas por bloco, quase sempre dez deles em cada situação. Esse Carmencita e os Garotos de Finisterra não foge a tal regra. Somente não se observam números iguais de poemas para cada bloco. A variedade não se faz obrigatória por aqui. Porém, isso é apenas um detalhe a mais, um detalhe que facilitaria a leitura e a observação do livro como um todo, o leitor teria nesse pequeno detalhe uma busca para facilitar a leitura. Esse compêndio de poesias poderia também ser