O Úbere da Cidade

Esse foi o segundo livro publicado pelo então somente poeta José Humberto Henriques. Diz-te tão somente poeta porque Henriques, transtornado pela poesia do mundo inteiro, dizia quer somente escreveria poesia. A prosa não faria parte de seu acervo. Porém, não foi isso que foi verificado à medida que o tempo foi passando e esta terrível avalanche tomou conta de sua obra. De tal sorte que esse criador publicou livros em todas as vertentes imaginárias da Literatura Universal. Chegou mesmo a uma marca surpreendente, mais de três centenas de livros publicados e geridos pela Amazon.com. Pode ser que Henriques seja considerado o escritor mais prolífico de toda a história da literatura mundial.
Esse livro de poemas trata de poesias temáticas. Como a sugestão parte do título do compêndio, úbere se refere a Uberaba, terra onde o autor vive desde o ano de 1969. Henriques saiu da zona rural de Cruzeiro da Fortaleza, exatamente do distrito de Brejo Bonito, matriculou-se no Colégio Marista Diocesano e por lá esteve por sete anos. Depois, entrou para a Faculdade de Medicina do Triângulo Mineiro e se graduou na área. Por esses longos anos esteve em Uberaba. Com isso, apreendeu da cidade as suas manias, suas personagens mais exemplares, seus logradouros, suas zonas de meretrício, suas áreas de laser e arte, suas esquinas, boates, bares, loucos, doutores e todo tipo de acidente que a história humana costuma doar a quem tem olhos para observar de perto.
Todas as poesias trazem um logradouro ou uma criatura de Uberaba como revelação poética. De tal sorte que muitos elementos e lugares que desfilam pelo livro podem ser rememorados por uma memória fotográfica do poeta. Não obstante essa descrição que poderia tornar o livro parte de uma crônica já imaginada, Henriques trabalha aqui com a palavra em seu estado mais puro e poético, isto é, em toda a textualização condensada de sua estrutura que poderia ser chamada de malarmaica. Desse modo, O Úbere da Cidade vai além da simples crônica, vai além de Cronos – esse tempo que costuma degradar o texto – para entrar numa vertente cosmogônica e imortal de leitura poética.
São poesias esmeradas e Uber ou Úbere querem demonstrar o apreço e o amor que o poeta traduz pela terra, apesar de o poeta não ser nascido por lá. Quando se transferiu para Uberaba com a finalidade de cumprir os rituais de aprendizado e evolução, o poeta passou a fazer parte desse mundo onipresente. E esse estado onipresente de sóis, águas e podridões correlatas passou a cumprir nele o assédio de toda terra amada. Só se quer voltar a uma terra que amamos. Essa frase faz parte de seus enredos mais espontâneos. E o Úbere da Cidade é um livro renascido de amplidões e transformações. Os logradouros descritos, por exemplo, maioria nem existe mais. E as personagens citadas podem estar mortas. Mas a elasticidade da poesia faz esse enredo imortal de levar avante um mundo que nunca será esquecido. Uberaba em suas forjas de luz.
Talvez tenha sido esse um dos únicos compêndios que o poeta tenha dedicado inteiramente a Uberaba. E como se não bastassem os poemas assim esmiuçados, Henriques percebeu que o livro poderia sofrer de pequenas transformações. Diante desse argumento, inseriu nas páginas impares do compêndio o poema visual, esse comboio de novidades e vísceras que dão alento à vivificação da poesia. Com isso, esse ar renovado não destoa – apesare das mudanças – do texto original. Muito pelo contrário, ainda tem a capacidade de fazer com que esse úbere dê frutos novos e cada vez mais coloridos. Compêndio de gênio.
Esse livro surpreende pela forma como foi criado. Mesmo nos dias em que foi apresentado em sua primeira edição, O Úbere da Cidade já surgia com aquele gosto de um mundo tangido para outros lugares. Era um livro para certa geração não tão jovem quando considerado e analisado em sua temática. Sobrevivia, entretanto, devido ao seu sólido arcabouço criado por um poeta de peso. Escrita maciça.