Quebra-Rabo e a Valsa Torta

Quebra-Rabo e a Valsa Torta
Esse romance trata da história de Zico Rangel, um fazendeiro com terras em beiras do rio Quebra-Rabo, região fronteiriça entre os municípios de Patos de Minas e Santana de Patos, em Minas Gerais. Romance denso, contundente. Os costumes desse povo do Alto Paranaíba são revelados de forma pormenorizada. Zico Rangel e a patroa atravessam todo o romance de uma maneira sofrida. Donos de hábitos antigos, quando um simples fio de bigode – no dizer popular - valia mais que mil documentos registrados em cartório, de repente se veem diante de uma modernidade massacrante. Praticamente intolerável. Aqui está um fragmento do texto: Pois estava Zico Rangel ali, a dar o molejo às facas que tinham que ser amoladas, acabou o que tinha que fazer quando escutou aqueles modos de Pedro Pangaré, como quem queria um dedo de prosa mais grosso a ser tratado. Pedro Pangaré era, Zico Rangel achava isso com todas as letras, um homem debandado de entre os demais, sofrido por conta de sua insistência em meter a colher de pau em conversa alheia, em dar palpites em coisa que não lhe cabia diretamente e até a dar conselhos a gente que tinha casamento marcado. Era mestre em dizer coisas arrevesadas. De repente, sem que ninguém pedisse qualquer tipo de palpite e mesmo sendo um deles uma maneira ruim de entender as bandas das coisas, vinha Pedro Pangaré com suas estultices metidas a laivos de toda sabedoria principal. Fazia cara de luxúria. Em questão de casamento, aí então dava as picadas e ria de si mesmo. Cria-se espirituoso o suficiente para dizer que todo casamento não passa de brejo mole para se atravessar. Perguntava.
- Tu tens certeza, ó Fulano, do passo que estás dando? Tu bem sabes como é o povo dela, não sabes?
Metia estas dúvidas perigosas demais atrás das orelhas de quem estava já açoitado por uma situação escolhida, ou que, na maioria das vezes, pai e mãe tinham escolhido por ele. Era a pulga atrás da orelha. Porém, mesmo depois daquele dia em que fora quase castrado pelos dois irmãos, Joaquim e José, Pedro Pangaré não tomou tipo de gente estúrdia. Continuou a apregoar os seus percalços. Não era raro que chegasse a uma festa qualquer, entre todos a ruir seus modos, dava os palpites e todos o tinham como homem de alguma sapiência, mas dono também de uma exagerada conformação de estereótipos. Zico Rangel apreciava as suas visitas, porém, havia os dias em que as abandonava completamente de seu gosto. Tinha mais o que fazer além de escutar a lavagem apregoada pelo homem. Naquela tarde, especialmente, tinha mais coisas a realizar, todavia, teve que escutar a conversa que Pedro Pangaré tinha para contar. Era uma coisa distinta, que durante o resto de seus dias, mesmo crendo em quase certeza de que aquilo fosse mentira, teria que interrogar em seus meandros de homem que pensa contra uma história repensada. O peso de certas sinceridades abona o sujeito e sua sujeição a qualquer tipo de mentira. Naquele momento, a voz de Pedro Pangaré lhe pareceu suficiente.
- Não falta mais nada para nos acontecer, ó compadre Zico!
Zico Rangel ergueu as pontas das orelhas para saber mais. Já que tinhas facas todas em brilho de corte e em saciedade de pedra, a pedra de amolar que ele tinha trazido do gavião, lá no Maná-Buiú, estava ali rente aos seus olhos e ensaboada com aquela nesga de resto escuro, cinzento-fechado, que acaba sempre ficando das amolações bem urdidas.