Considerações Apócrifas sobre Pecado e Inocência

Esse livro de contos de JH Henriques, produzido em um mês do ano de 2018, trata de assuntos muito comuns ao autor. Revira os sentimentos todos, abre o leque das posições humanas diante dos fatos que o rodeiam e, de maneira íntima, trata daquilo que poderia ser a sua relação com os demais membros do universo e seus próprios fragores. Sendo assim, o livro é introspectivo e profundo. A princípio, algum humor revela que o contista tende a fazer essa mistura e como mesmo diz o título, sessão apócrifas as considerações, são contadas de uma maneira que não deixa dúvidas quanto ao seu estado de revelações. Sempre a morte a rondar as criaturas, mas de uma forma bastante peculiar. Sem os grandes traumas que se arrogam nos dramas simplesmente trágicos.
São dois contos perfeitos. Ambos com o título perseguindo a questão do pecado e da inocência. Entretanto, as duas coisas são misturadas de uma maneira engenhosa dentro da matéria do que se conta. De tal sorte fica o misturado, o engenho da coisa, que fica mesmo difícil se saber o que é pecado e o que é ser inocente. Essa mistura, fato extremamente humano, não se dilui dentro do texto, pelo contrário, está sempre a se encorpar, toma tento diante de todas as evoluções e perspectivas do texto, jamais exigindo o autor de suas personagens essa separação entre pecado e inocência. Então, o leitor acaba por se tornar o juiz do conto ou não faz nada disso, apenas sofre das sugestões, todas elas pautadas na flexibilidade que possui a alma humana para se entreter.
O primeiro conto, mais curto que o segundo, traz a personagem centralizada na figura de um funcionário público que aguarda herança depois da provável morte da tia rica. Como herdeiro único, desfila dentro do texto ditado na primeira pessoa do singular. Aparentemente abúlica diante das possibilidades de futuro, esse funcionário público está determinado a viver entre a cruz e a espada, um dilema verdadeiro para quem de fato não faz nada e somente espera que um dia a fatalidade da fortuna caía em seus domínios. Porém, alguma coisa muito inesperada ocorre e isso acaba sendo o determinante do destino das existências requentadas e contadas no seio desse conto exemplar. Cheio de surpresas.
Já o segundo conto conta a história do rapaz Ishmail. Daquelas criaturas nascidas em berço esplêndido e que sempre estiveram atreladas às facilidades e doçuras da vida. Um bon vivant. E a história de novo gira em primeira pessoa do singular e Ishmail é contado na terceira. Sendo assim, a descrição de faz ainda mais intimista porque a rota da história, que antes de pensava ser toda em torno de Ishmail, passa a acontecer diante de uma personagem incomum, a detentora da história e do texto. Por isso mesmo, mencionada como esse Eu que se propaga em ondas e acaba por incendiar e compor as personagens novas e seus aviamentos segundo as circunstâncias de um mundo nada óbvio. Por fim, Ishmail é decantado e passa a ser quase secundário.
Diante dessas circunstâncias, o Norte do conto toma nova bússola e a mulher que deixa de entediar-se dentro da própria história assume esse controle de forma cabal. A figura feminina determina todo o enredo, doravante. A figura esquipática, porquanto seja indagadora de métodos e reassuma a tonalidade de um mundo extremamente perigoso. A terceira pessoa entra para o passado no formato masculino; a primeira pessoa assume no formato da personagem que é alvo e centraliza a história agora; e de novo a terceira pessoa, a figura feminina em toda a sua plenitude e armadilhas.
Como história apócrifa, o texto acaba por ajuntar todas as personagens em seus finalmentes. Demonstra a interrogação definitiva em vida da personagem de vulto feminino e a fragilidade dos homens. Principalmente da figura principal que acMesmo não poderia deixar de ser amargo um livro que lida com Tânatos de maneiraaba por sucumbir aos encantos que sempre buscou durante toda a existência. O fim dramático. Cheio de enlevos.
Esse livro é imperdível.