Perfidia e Uno Tango

Perfídia e Uno Tango
Esse livro converte a história dos prostíbulos dos anos 60 para a ficção. É volume independente, mas traz certa relação com um romance anterior do mesmo autor, Certos sigilos da Rua Krüger. Livro de alta introspecção, sem linearidade temporal, atinge de forma serena o ápice de uma descrição pormenorizada do comportamento humano – psicológico e social – de uma cidade do interior daqueles dias. Somente para que se faça juízo dos termos desse romance espetacular, veja-se como é que o autor começa a sua narrativa em terceira pessoa do singular.
Potó saiu da cama em horário convencional, sempre atingida pelos raios de uma madrugada quase repetida. Alfaiava-se em raios, os primeiros que vinham. Por entender que uma criatura deve achar a chama acesa sempre para as horas principais do dia, espreguiçava-se e, com a borda da camisola, uma de seda velha e que recebera como herança pelos seus serviços de mucama, limpava um canto de olho, que as remelas sempre são a nuvem que mais obtempera as manhãs de uma criatura. As madrugadas quase repetidas são mais avultadas em quem tem as esperanças de litígios diversos com o mundo. A Potó sabia disso; não tinha, porém, de si, todos os encantamentos com as regras de ser assim uma criatura que se debate para reconhecer que as lisuras da vida nem sempre a todas pertencem. Estava ali naquela casa havia a marca de quinze anos, calculava que os seus trinta e dois anos vividos representavam uma possibilidade de haver que medir outra vez as mazelas do mundo.
Com maestria e delicadeza, segundo afirma em suas críticas o escritor Guido Bilharinho, JH Henriques conduz a trama de uma maneira simples, contudo, nada convencional. Livro imperdível.