Fruta de Leite (Providência Livro 1)

Fruta de Leite
Esse é o nome do romance em 3 tomos que dá sequência à história da cachaça em Minas Gerais, região da famosa Salinas. Bebida muito apreciada, a pinga faz parte dessa região. Aqui se conta, de maneira livre e ficcional, a vida dentro de um desses redutos onde a bebida é fabricada. Fragmento do romance: O dia tinha um dado quebrado nas entrelinhas.
A marca com seus registros e apicais reformados em sempre. Como ser, a forma de o dia surgir.
Tinha amanhecido com aquele jeito de revolta desses sóis que batem de volta, feito se a banda do mundo, a branca, fosse espelho de toda incontenção. Um sol de muita refrega, a dizer a verdade. Um sol desses pode modificar a listra da camisa das criaturas aventureiras. Pode até baralhar a emergência de certas formas, de tal sorte que um cristal pode ser outra coisa, dependendo de como a luz faz nele a cisão e a incisão, mostrando a alma que mesmo à sombra nem deve aparecer, assim de forma súbita e muito condensada. Um sol lavado em água imaginária, a dizer a verdade, porém, franco o suficiente para causar cegueira até mesmo nas plantas mais vigilantes.
Eu, com os olhos mofados com a grandeza do sol lá fora, falei com a Lindéia, usei de voz sem fatalidade, que era o modo de saber de mim mesmo que uma preguiça sempre tem suficiência para uso comum. A Lindéia tinha vez que sofria de uma preguiça de desafiar qualquer imaginação. Porém, dava de fingir que assim não era, que a vida era mesmo determinada para os arremates da falta de pressa e da busca de ver viagens em nuvens e seus degraus. Por conta da preguiça que a acudia sempre em seus dias, uma coisa crônica, quando exigida em alguma determinação, dava de por a boca em posição atravessada na cara coisa que em conjunto com o nariz lhe conferia a face de uma criatura antojada. A gente sempre pensava que ela estava enfarada.
- Lindéia, depois bem que tu poderias ir lá na venda do Ludimiro, devias comprar uma garrafa daquela novidade que estão passando na televisão. Aquela com o shhhhhhhhhh que faz a gente ficar com sede. Tu bem sabes que o rótulo é vermelho com um cacho verde de frutas desconhecidas. A da garrafa azulada, estás entendendo como é simples ser feliz? Vais lá no Ludimiro, compras aquilo e depressa trazes para casa, a gente vai provar daquela coisa que falam que refresca demais. Se for bom mesmo a gente repete. Uns trocados ajudam a nossa casa a ser mais livre!
Lindéia tinha dificuldades de entender as coisas por conta de seu sangue misturado demais, um terço de sangue branco, outro terço de sangue bugre e três quartos de sangue negro, sem exageros das formas ou da compreensão dessas análises que dispensam alguma coisa a mais que não seja a simplicidade da mirada que já faz a descoberta. Ela ouviu tudo com atenção dos simplificados. Deve ter demorado uns dois minutos até que processasse o rótulo, a cor das frutas desconhecidas e a textura da garrafa. Todavia, se fizesse certo da primeira vez, nunca mais erraria a demanda pela busca do refresco. Tinha hora que dava tempo de uma graúna executar todas as notas em mais de três árvores até que a Lindéia chegasse à conclusão de que tinha uma pessoa a falar com ela. Essa vagareza era antiga, jungia-se demais ao modo de sua boca em forma de alguma contrariedade. Eu já sabia daquilo e não me dava por atingido, por melindrado por pouca coisa. Era preciso fazer um desconto e haver a paciência.
O dia tinha um dado quebrado nas entrelinhas.