A Sombra Circular do Calor

Nesse romance ambientado às beiras do rio Urubu, no estado do Tocantins, José Humberto Henriques alcança os termos máximos da concepção literária sob a forma de prosa. Pela segunda vez o rio Urubu-Mirim recorre nas escritas de Henriques. Quando se imagina que um romance ambientado num lugar assim tem pouca matéria pertinente para render ação, o autor toma as pendências e amarguras da alma humana e constrói o texto com esta argamassa riquíssima. O resultado não deveria ser outro que não a excelência do romance. Um texto que poderia muito bem ser chamado de circular.
De tal maneira está ajuntado o romance, essa sequência que sugere a movimentação da vida em torno de um eixo único, monumental. Se a sombra desse calor enorme é circular, é por isso também que o texto acaba sendo. Não há divisões de sentimentos ou mesmo de arbitrariedades no romance, um doa menos da lavra de JH Henriques. Porém, mesmo sendo pequeno em volume, desentoca uma qualidade excepcional, a marca registrada desse grande conhecedor e criador de toda s história da Literatura Universal.
Nesse romance, perambulam pelas margens do rio Urubu-Mirim dois bugres nascidos e criados no lugar. O ambiente não passa de mero acaso, apesar de tudo. Devido às características universais da obra, os dois poderiam estar colocados em qualquer lugar do planeta, de tal sorte é a malha tecida pelo romance, que o mergulho na introspecção romanesca seria sempre inevitável e profundo. Diante de um texto assim, sem tirar e nem por o que se diz, a pretensão da Literatura Brasileira atinge seu ápice nesse princípio de século. Apesar desses detalhes assim esmiuçados, a Sombra Circular do Calor revive momentos de uma supremacia clamorosa das leis da natureza sobre as casualidades do homem. Então, as derrotas são sempre presentes, bem como a necessidade que há em cada personagem de se manter sobre um fio condutor muito parecido com um rombo fio de navalha.
Todas as personagens desse livro se elaboram, como diriam os causídicos, numa grande presunção de inocência. Contudo, essa inocência é quebrada ao longo do texto e de sua apresentação como criaturas que se desenvolvem dentro de um panorama atual. Esse contra-senso e essa presunção de paradoxos fazem com que o romance recaia num agradável batalha de identidades. Diante disso, o que se encontra é um humor refinado, muitas vezes escondido na possibilidade de que alguma coisa muito heterodoxa possa ocorrer à medida que a trama de esbalda e se espalha. E tudo se resume no mesmismo de uma condição sem anarquias, porquanto seja infestada de introjeções e desejos absurdos.
Toda a trama se desenvolve num só bloco de panorama. Essa tessitura dá ao texto o seu bloco mais hegemônico, nada se perdendo na flutuação daquilo que poderia ser chamado de ficção. JH Henriques elabora o texto de uma maneira conveniente a todo o contexto daquilo que o sistema organizado de um mundo à parte requer. O autor pretende dar ao todo a gradação sem anarquias de um mundo bruto, completamente estruturado no arquétipo de uma natureza forte, assombrada pelos sóis que vêm dos altos e crestam mesmo as vontades mais ferrenhas. Com isso, a decisão da natureza parece querer prevalecer sobre tudo e sobre todos, embora os humanos reajam de uma maneira que parece ser sempre casual. Com isso, surge o embate entre as forças que se opõem ou se ajuntam.
O progresso e a evolução do homem, a depredação, os movimentos de ocupação da terra, a dizimação de partes de fauna e flora, as negociatas e a perambulação das criaturas pelo meio e em direção ao grande rio Urubu – assim chamado sempre pelo romancista -, tudo é citado de uma maneira contundente, porquanto seja subliminar. Por vezes é difícil se entrever em um diálogo a pecha a que recorre o autor para demonstrar que esse mundo todo acaba sendo muito frágil e sujeito à degradação em todos os sentidos. Aqui os homens se acham numa grande encruzilhada cujo destino não pode ser pesado ou sugerido.