Marsúpio

Marsúpio
Esse romance de fôlego, totalmente ambientado no absurdo, conta a história de um homem que engravidou. Toda a trama gira em torno desse evento, emerge e submerge, traz à tona vestígios cada vez mais protuberantes da decadência de uma sociedade cujo temperamento já não pode mais ser transformado. É assim que se tem a impressão do mundo quando se lê esse texto. Esse romance de JH Henriques não trata de preconceitos e ideias afins, mas somente da individualidade de um mundo em franca decadência. As personagens são fortes, aguerridas e dificilmente se poderia descartar uma delas, qualquer que seja, desse drama em estado latente de contenção. Um fragmento do romance: Horas da manhã começada e um raio de cor lisa nos céus, a marca alaranjada desafiando uma outra de cor-rosa, vinha com força a arcada do sol sobre as manteigas derretidas do dia novo de Santa Fé. Ali, por ser lugar de intensa força e elemento aberto, a terra com suas regalias posicionais e a fuga de raios que reverberam tanto na tapiocanga como em poças de água de uma chuva anterior, é que sempre se disse que a cidade tinha suas merecidas nomenclaturas e apelidos, a mais farta de todo o centro-leste do país inteiro. O que se falava. Um som de porta que se abria entrou na vanguarda do momento e a Fabíoola revirou-se sobre o travesseiro, posto que tivesse as coisas todas para serem feitas, ainda cria que dormir um pouco mais seria sempre a meta de uma criatura que crê nas divindades.
Simeaão chegava em casa, gemia uma espécie de dor nas costas que o acompanhava havia um tempo de mais de mês. Ia à janela e fazia com que os ares entrassem com a força do amanhecido. Simeaão era o mais velho de uma família de pai e mãe indolentes, mais três irmãos em ordem de escada, sendo que a Fabíoola cumpria um lugar de ser a última que fora engendrada naquela casa – a caçula e seus caprichos. O que se via ali, a modéstia em todos os graus, um modo de se enfrentar a banda amarga e pobre da vida, como se ser assim fizesse parte de um tormento que não pode ser adiado ou transformado em irrealidade. Uma tosse menor atingia o movimento da chegada do Simeaão. E o ruído familiar, a furtiva imagem da coisa doméstica – como o rangido dos molejos de um estrado de cama, um movimento de rosário enquanto a mãe dedilhava o terço – passava pelos seus sensos e cumpria uma sina cheia de anualidades. A dizer-se de outra maneira mais elementar, que a vida sempre seria fincada na matéria continuada. E, sempre tudo seria sempre e nada poderia mudar as destinações da vida que se olha de maneira linear. Simeaão bocejou, gemeu fino e acendeu um cigarro. Seus olhos estavam fundos, na nuca, como costuma ser dito em casos de cansaço, quando a noite não dormida sabe mais que a dor do estar acordado. Seus anseios eram um largo espectro de derrota.