Loba

Loba
A Loba conta a história da aristocracia numa determinada região que bem poderia ser o estado de Minas Gerais ou qualquer ponto do mundo que possa arcar com as descrições exímias desse romancista incansável. Esse livro mostra a decadência de algumas famílias tradicionais e a luta pra a manutenção do status quo anterior. Há uma tremenda tensão nervosa dentro do texto, a dizer bem a verdade, quase que não se sabe de onde flui, mas que determina a certeza de que alguma coisa distinta acabará por ocorrer. A personagem principal desse romance é um a ninfomaníaca que se mantém num fio de navalha durante toda a narrativa. Fragmento inicial do romance: Imaculada lia o jornal. Dividia as idéias em muitas partes porque lia o jornal. Em seus nervos de mulher aplicada em conforto de beleza grande, espigada e de canelas finas, a necessidade de acender um Columbia. A fumaça azulada do cigarro fez muitas voltas na cozinha. Ela suspirou fundo, os nervos em estado de quase frangalhos. Lá fora, no quintal, Passos Castro dava pedaços de biscoito ao Mandrake, um cachorro de raça cabeçuda e pureza de lorde inglês. Casal novo, com muitas solidões ainda para serem desvendadas. O solar estava à sombra de palmeiras imperiais de quintal e jardim, de tal sorte que os bem-te-vis vinham fazer ninho nas catanas delas e outros, uns que sabiam fiar o ninho como se fora artesão danado de habilidoso, fazia os ninhos em penduricalho na parte baixa e inferior das folhas. A casa amarela toda, com regulamento de mansão antiga, muito antes mesmo seria aquele modelo da época em que viviam. Por isso, o nome daquilo era solar e tinha brasão dianteiro com rebuscado arabesco de letras brancas. O conjunto inteiro era bonito e dava uma idéia de paz muito ortodoxa, daquela que não pode ser quebrada com qualquer tipo de facilidade. O Mandrake andava em torno da sombra do próprio rabo e gania. Virava moleque, filhote outra vez.
Passos Castro, em seus quarenta anos de vida e alguma mancha grisalha nos cabelos, em ceroulas, corria de um lado para outro porque o cachorro queria brincar. Em torno, as casas menores, nada que desafiasse os muros altos da mansarda. Reserva completa num tempo em que ainda era digno de nota algum respeito entre as criaturas. Imaculada, porém, reservava-se às olheiras e um estado febril de vontades, coisa que ela mesma não sabia o que fosse, uma espécie de desejo de comer jenipapo com cebola, algo assim que desse em seus meios e entranhas a sensação de que uma novidade poderia nascer e revirar o que tinha de mais sedento, a consideração com o corpo e uma natureza que suplantava todas as expectativas de uma mulher ciosa. Tinha a natureza muito forte. Sempre ouvira esta conversa de natureza forte. Mesmo tia Eduvirges, em tempos em que se detinha nesse tipo de conversa, dizia que as mulheres da família, todas elas, se sentirem donas de uma natureza prolixa e forte, a ponto de não ser qualquer homem que desse conta de desdobrar tais furores. E comentava de uma tia-avó dela mesma, Maria Anunciada, que se feria aos noventa anos de idade com qualquer aríete que deixassem dependurado à cabeceira de sua cama, mesmo que fosse a divindade de um crucifixo.