A Última Cotovia do Condado

A Última Cotovia do condado.
Mais uma surpresa dentro da obra de José Humberto Henriques. Obra excêntrica, volumosa, introspectiva, trabalhada com esmero de artífice. Filigrana. Esse livro tem como cenário Portugal. As descrições são plurais, dão a impressão de uma vida vivida eternamente nesse país. A exemplo do que fez diante da Hungria e Romênia, JH Henriques traz agora Portugal para uma visão espetacular da literatura. Um fragmento do romance: Por ser um domingo desses que jogam Évora contra a translucidez de magmas de um tempo deslembrado, foi que os sentimentos das coisas estavam todos muito revirados e dominar o semblante do universo era uma tarefa iconoclasta. Uma podridão azul escalavrara as fraldas do céu, do modo de haver um século de anjos mijado em torno de seus lençóis. Eu fiz dessas lembranças todas um tempo muito moderno, era o ano de 2012 e ninguém mais estava desconfiado que a lua não tinha aceitado o homem em fotografia inteira. Marte e Venus eram alvos protuberantes, bem como as viagens hologramáticas. Os pombos vinham com a gula de uma ceva antiga, habituados ao periscópio das buscas. Os pombos em torno dos meus pés, meus ombros, da mesma maneira que um dia zanzaram em toro do escroto do Davi e daquele caralho comportado e muito grego que era o dele, do Davi e de Michelangelo. Os pombos sabem desenhar uma cidade. Eu tinha naqueles dias, como vinte e oito anos de idade, uma grande ofensa contra as minhas vontades e minha alma completa, que era aquela mania de sonhar em construir um livro a partir de meus óleos mais íntimos – e tinha que ser alguma coisa como Rayuella, já que mesmo não dava para sofrer um compromisso absurdo como aquele feito por Franz Kafka e toda a sua revirada de asas de um sistema difícil de ser repintado.