Moça de Renda

Moça de Renda
Esse nome do romance remete a alguma idéia transeunte. Porém, é nome de uma cidade fictícia estabelecida no estado do Mato Grosso do Norte. Esse livro é considerado uma das obras-primas de José Humberto Henriques. Veja-se aqui um fragmento inicial do texto: Por fim, entendi que ali podia bem ser o meu lugar para o resto da vida. À volta, tudo tinha uma densidade seca, proposital da terra ser e mostrar a mínima coisa sua, desde um vôo de besouro rola-bosta até o galho de uma árvore que se enerva com a sequidão e chora aquelas bagas finas que é comum de folha de árvore chorar. Cheguei em Moça de Renda quando o dia começava a clarear. Aquilo já me dava a mudança de perfis, em mim mesmo e sendo, quase que um janota esquecido no meio do nada. Pensei comigo, é aqui que vou fazer vantagem. Bem dito, por dissimulação, fazer vantagem é a mesma coisa que tirar casquinha da boa-vizinhança, tentar fazer bonito e querer ser chamado de nego-teso, mesmo que nem sempre a história da realidade seja assim tão promissora. Vou arranjar jeito de ser professor aqui, falei para mim mesmo. Num país desse tamanho, não tem nenhum lugar que não esteja carecido de um bom professor. Além do mais, a minha estampa devia ajudar, a julgar-se pelo bem-bom de figura que me ficava sempre no rastro. Eu gostava de manter a boca na posição de boca e o nariz em posição de nariz, o que sempre regulamenta a vastidão de uma personalidade.
Porém, Moça de Renda ainda, naquele momento de alguma esperança, era para mim nada mais que um pedaço de chão desconhecido no estado do Mato Grosso do Norte. O Norte sempre me tinha como coisa consangüínea, por isso é que devo ter ido parar lá, impulsionado pela quantidade de sopros que caem das virtudes, das decências e suas hordas favoritas de adjetivos. Tinha uma placa grande na entrada do lugar. Depois eu vi, estava escrito São Jorge do Bagupi-pi, porém, ninguém podia dizer que era assim, mesmo o motorista da condução me falou, Estamos chegando em Moça de Renda, o senhor se sinta acordado! Falou com carga de ares de mercador, daquele que acaba de vender um pedaço de couro furado e quer ver seu espaço livre dele, seus jiraus e suas sombras de outras mercadorias. O senhor se sinta muito bem acordado! Desplante de se tratar cidadão.